O Candomblé é considerado uma religião de tradição oral, no sentido de não ter esta religião nenhum texto que seja reconhecido como fundamento para a religião ou que seja um texto sagrado. Mesmo havendo hoje uma profusão de textos que explicam como funciona esta religião, seus conceitos, sua compreensão de mundo e sua ritualidade, tanto de autores advindos desta tradição como de outros que a estudam, nenhum destes textos tem o caráter de texto fundante. Os ensinamentos da religião são passados adiante fundamentalmente pelo processo de iniciação, onde os fieis vão aprendendo e interpretando a religião à medida que dela participam, especialmente da participação nos rituais. Participar dos rituais é adentrar aos poucos num mundo de significados religiosos, de símbolos, de gestos, de danças, de cores, de músicas, de um linguajar próprio que vai construindo no fiel a compreensão de sua religião. Quanto mais tempo e mais rotineiramente o fiel participa de sua comunidade religiosa, mais ele a vai compreendendo. A iniciação não é tanto um processo de aprendizado intelectual, mas sim um processo de aprendizado experiencial. Neste processo de aprendizado e de transmissão da religião, há um elemento bastante importante que são as histórias contadas e aprendidas e contadas adiante. Elas podem ser chamadas de mitos ou lendas, mas na linguagem do povo iorubano, de onde advém o Candomblé, estas histórias são chamadas de Itã. Há um conjunto de inúmeros Itãs e por serem contados adiante, no Candomblé se conhece geralmente muitas versões de cada Itã. O ponto central, entretanto não é a exatidão da narrativa, mas o seu significado: os Itãs são as histórias do porque das coisas. O mundo complexo de significados na religião, desde as coisas de seu cotidiano, passando pelos rituais, até a compreensão das divindades, tem seu porque explicado nalgum Itã. Assim, é comum que quando se pergunta pelo porque de algo dentro da religião, a resposta não está numa explicação do conteúdo, nem na demonstração de seu surgimento histórico ou na explicitação da função de tal coisa perguntada. As respostas pelo porque das coisas estão nos Itãs. Assim se diz, por exemplo, que filhos de Oxalá devem evitar o consumo de vinho. Por que? Conta-se através de um Itã a origem desta recomendação
Volney J. Berkenbrock, O Mundo Religioso (Editora Vozes)